| Jornal online - Registo ERC nº 125301



Barragem no sabor? Não, obrigado!
Publicado domingo, janeiro 30, 2005 | Por: Notícias do Nordeste

Não raras vezes existem flagrantes ocasiões para percebermos e analisarmos a verdadeira dimensão da pobreza de ideias e de visão estratégica que grassa nas mentes de alguns dos responsáveis políticos eleitos pela democracia e que em nome do povo destroem o que por inteiro pertence a esse mesmo povo.
Muitas vezes somos também confrontados com a autêntica pouca vergonha de um país em decadência acelerada, onde habita uma sociedade triste, cabisbaixa, desesperançada. Um país que vai perdendo a razão de si num trépido passo que direcciona o abismo da inconsciência moral, legal e política, onde ninguém acredita em ninguém e muitos dos que possuem algum poder de decisão, utilizam esse poder aleatoriamente sem medir quaisquer consequências.
O exemplo mais flagrante desta aragem terceiro mundista, decadentista e pífia que sopra nesta nossa terra como “malvado vento suão”, foi a decisão de construir a barragem no Baixo Sabor.
O estado português obrigou ao cumprimento dos requisitos iniciais que as directrizes europeias estabelecem e deliberou a realização de um Estudo de Impacto Ambiental (EIA) com o intuito de determinar as consequências impactantes provocadas por um projecto com a dimensão e as características da barragem que aí se pretende construir.
Até aqui nada de anormal. Cumpriram-se os trâmites legais e tudo parecia correr normalmente como se de um país civilizado se tratasse.
De seguida mandaram-se os técnicos ao terreno para que se efectuassem os indispensáveis estudos que integram cada um dos diversos descritores que compõem um EIA. O objectivo deste trabalho consistiu em apurar os verdadeiros malefícios que o “monstro” irá trazer. E foram muitos, pelo que se viu, tanto para o ambiente como para o património.
Uma vez obtidos os resultados, e depois de condensados em relatório, forma-se a Comissão de Acompanhamento (CA) congregante de várias instituições especializadas em diversos domínios técnicos. Para que se possa ter uma ideia do funcionamento de uma CA, basta dizer que, por exemplo, participam instituições como o Instituto de Conservação da Natureza, Parques Naturais, Instituto Português de Arqueologia, Instituto Português do Património Arquitectónico e outras mais, dependendo essa participação da natureza e da dimensão de cada um dos projectos sujeitos a um EIA.
Após a análise do relatório, cada uma destas instituições tem como missão produzir um parecer técnico que exprima a sua posição relativamente ao impacto causado sobre o seu descritor. Se esse impacto for demasiadamente elevado sobre uma ou mais áreas do estudo, pode dar-se o caso de ser produzido um parecer que desaconselhe por completo a viabilização do projecto.
Foi isso exactamente que se passou relativamente ao Estudo de Impacto Ambiental da barragem do Baixo Sabor. Depois de analisadas convenientemente as consequências negativas que este projecto vai trazer ao ambiente, o Instituto de Conservação da Natureza (ICN) produziu um parecer que desaconselhava em absoluto a sua construção, uma vez que esta barragem viola a legislação ambiental a que Portugal está sujeito no âmbito da directrizes comunitárias.
Se vivêssemos num país evoluído e com verdadeiras preocupações pelo ambiente, pelo futuro e pela região, este parecer seria mais do que suficiente para abandonar de vez o projecto e começar a pensar em outras alternativas de produção energética. Até porque os cálculos até agora realizados consideram que a barragem do Baixo Sabor poderá contribuir apenas com 0,5 por cento da energia eléctrica consumida em Portugal.
Será então este um argumento suficientemente válido para que o ex- Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território, Arlindo Cunha, tivesse deliberado a sua construção à revelia dos conteúdos do estudo de impacte ambiental e do parecer do instituto de Conservação da Natureza? A resposta é simples e resume-se um redundante não. Não são uns meros 0.5 % de produção energética que justificam a alteração da morfologia de um dos mais belos vales de Portugal; não são uns ridículos 0.5% de produção energética que justificam a destruição de ecossistemas raros e únicos na região, colocando-se assim em perigo algumas espécies que se apresentam com estatuto especial de protecção. Não são uns meros 0.5 % que legitimam a destruição de recursos agrícolas que produzem produtos com grandes potencialidades, como é o caso do azeite nascido no vale de Felgar; não podem ser uns meros 0.5 % que abonam a destruição de um imenso potencial de património arqueológico e etnográfico; não são uns meros 0.5 % que vão dar cumprimento ao compromisso assumido por Portugal no Protocolo de Kyoto, onde foi acordado que até 2010 o nosso país produziria 39% de energias renováveis, porque, como se sabe, uma barragem não se constrói num dia e até 2010, caso a barragem do Sabor venha a ser construída, em nada contribuirá para atingir essa fasquia percentual.
Mas se estas causas não fossem suficientes, outras haveria de tão ou maior importância.
E a mais importante de todas elas é o direito que a região do nordeste tem em desenvolver-se sustentavelmente.
O conceito de Desenvolvimento Sustentado foi proposto pela primeira vez pela Senhora Gro Harlem Brundtland, Primeira Ministra da Noruega, num relatório intitulado “Our common future”, que no ano de 1987 entregou à Comissão Mundial do Meio Ambiente e Desenvolvimento das Nações Unidas. O princípio essencial do conteúdo desse documento assenta numa formulação simples, baseada num reconhecimento dos direitos das pessoas que irão viver num tempo futuro. No essencial, o conceito de desenvolvimento da Senhora Gro Harlem Brundtland é entendido como um processo de transformação social e económica que faz face às necessidades actuais de forma controlada e ponderada, sem nunca comprometer ou pôr em causa as necessidades e os direitos das gerações futuras.
Ora, esta é a grande questão que deve ser equacionada para o caso da barragem do Sabor!
Porque o rio e o vale no seu actual estado natural constituem um inestimável recurso de desenvolvimento futuro para a região e para as gerações que, espera-se, venham a habitar o nordeste. Por isso, qualquer acto ou decisão mais inconsequente configurar-se-á sempre como irreversível. E é aqui que deve ser pesada a responsabilidade de quem decidir destruir parte significativa do Vale deste rio.
Se fizermos um pequeno esforço de racionalidade, facilmente perceberemos que uma barragem como a do Sabor, e à semelhança de tantas outras, não passará de uma imensa represa de água aprisionada, sem qualquer utilidade que não seja a de accionar as monumentais turbinas capazes de gerar os quilowats que seguirão direitinhos para ajudar a embaratecer o consumo de energia das indústrias do litoral. Aqui, no nordeste e entre os nordestinos, tudo continuará igual, com excepção do que entretanto se perdeu.
A questão da reserva estratégica de água, que muitas vezes é colocada como causa séria e fundamental para o futuro, é mais um conceito absurdo, ou uma falsa questão, que só serve para encapotar a incapacidade de negociação que os sucessivos governos de Portugal tiveram no “dossier da água” frente aos nossos vizinhos espanhóis.
Em todo este cenário que põe em conflito alguns políticos e todos os ambientalistas , o que deve ser realçado é a distinção entre uma medíocre visão estratégica de desenvolvimento regional e uma consistente, ponderada e moderna visão de futuro, assente em parâmetros técnicos e científicos mais do que reconhecidos e mundialmente respeitados. Alguns senhores que lamentavelmente defendem com “unhas e dentes” a destruição da sua terra, deveriam, de uma vez por todas, consciencializar-se que o ambiente e as questões com ele relacionadas não são meras questões saídas do livre arbítrio das associações ambientalistas. As questões ambientais são fundamentais para planear o futuro e garantir a qualidade de vida dos nossos filhos. Porque esses, os nossos filhos, são aqueles que menos culpa têm dos erros e atrocidades cometidas no presente.
Por isso, considero imponderada a atitude de muitos responsáveis indígenas, que além de serem coniventes com a destruição do nosso património, consideram esta barragem com uma dádiva do deuses e se empenham numa luta sem tréguas para alterarem o que ao longo de centenas de milhares de anos a alento da natureza nos legou.
Luis Pereira

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