O centésimo dia


Penso que se não tivesse uma esperança de transformação, a minha existência seria impossível, tendo em consideração a agitação com que os deuses enfermaram esta minha personalidade.
Recuso-me a acreditar na hecatombe de um país com mais de oito séculos de história, mas a cada dia que passa constrói-se no meu ser uma espécie de revolução interior que me faz pensar que a Batalha de São Mamede foi um triste acidente na história da Península Ibérica e que o D. Afonso Henriques é o único responsável pela situação a que chegou Portugal. Será isto o princípio da minha adesão aos conceitos do Iberismo?
Se não fosse o “coxo” (na verdade há quem afirme que Afonso Henriques era coxo), não se tinha instituído este enclave entre a terra e o mar a que chamaram Portugal.
A geografia das pilhagens e das conquistas medievais desse tempo são as únicas acções responsáveis pela construção e consolidação sucessiva de um rectângulo cujos limites se desenharam à custa de muitas chacinas e de muitos mouros degolados.
Tudo isto, no panorama da história, se foi erigindo de feição real e alegórica, e século após século se foi sobrepondo num cenário de fantásticas batalhas que fecundaram um místico reino caracterizado por uma beata moral geradora do encanto e da beleza da nossa ilustríssima lenda.
Uma lenda encantada que monta os mares em cima de Barca, de Barinel, de Nau ou de Caravela.
Portugal é isso: uma eterna fantasia!
Uma lenda absurda e passadista onde se movem os reis com um só olho, as bruxas de vassoura em riste, corujas de pio agoirento, duendes malabaristas e gnomos pinóquianos. Também existem os eunucos, aqueles eunucos pérfidos e venais que o Zeca tão bem retratou num jorro de poesia.
Os outros são figurantes, milhões de figurantes, com o comportamento de personagens de banda desenhada, que de quatro em quatro anos se animam num automatismo imagético, ao preencherem o universo das sondagens em opiniões sinceras, e ao colocarem a cruzinha no boletim de voto com um certo brilhozinho nos olhos.
A esses, sempre dispostos a acreditar, eu chamo cidadãos e eleitores.
“Portugal é uma treta!”.
Ouvi isto dizer a um jovem calmamente sentado numa mesa de café, mas com uma convicção tão perturbante que acabou por me impressionar. E confesso que no sopro de emotividade com que a expressão foi sacudida, me decidi a concordar momentaneamente com ele. Por isso escrevo este texto.
Efectivamente Portugal é isto que nós temos, e não é preciso mais qualificações!
A actual realidade de Portugal é um mau adjectivo por inerência com a sua história.
Uma metáfora arcaica e sem evolução. Um país de treta, com responsáveis de treta e com governantes de treta.
Este foi e parece continuar a ser o reino da demagogia, do salve-se quem puder, das clientelas sem escrúpulos, do desmazelo social, das elites bota-de-elástico; o país da cunha, do tráfico de influências, dos tachos, dos tachinho e dos tachões; da fuga aos impostos, da justiça lenta, da má educação, da falta de civismo e dos dez estádios de futebol.
É um país onde impera a corrupção, a mentira, a fobia do défice, a ignorância, a preguiça, o parasitismo, a mediocridade, o facilitismo e agora o Partido Socialista. É um pais à deriva e com muita pouca esperança.
Portugal é um barco sem rumo, mas apesar da tripulação ter substituído o seu timoneiro há cerca de 100 dias, o quadrante marcado pelo astrolábio do Terreiro do Paço não parece afastar-se do dúbio turbilhão das “estrelas” que no passado nunca nos apontou o futuro.
Luis Pereira [04-07-2005]
Recuso-me a acreditar na hecatombe de um país com mais de oito séculos de história, mas a cada dia que passa constrói-se no meu ser uma espécie de revolução interior que me faz pensar que a Batalha de São Mamede foi um triste acidente na história da Península Ibérica e que o D. Afonso Henriques é o único responsável pela situação a que chegou Portugal. Será isto o princípio da minha adesão aos conceitos do Iberismo?
Se não fosse o “coxo” (na verdade há quem afirme que Afonso Henriques era coxo), não se tinha instituído este enclave entre a terra e o mar a que chamaram Portugal.
A geografia das pilhagens e das conquistas medievais desse tempo são as únicas acções responsáveis pela construção e consolidação sucessiva de um rectângulo cujos limites se desenharam à custa de muitas chacinas e de muitos mouros degolados.
Tudo isto, no panorama da história, se foi erigindo de feição real e alegórica, e século após século se foi sobrepondo num cenário de fantásticas batalhas que fecundaram um místico reino caracterizado por uma beata moral geradora do encanto e da beleza da nossa ilustríssima lenda.
Uma lenda encantada que monta os mares em cima de Barca, de Barinel, de Nau ou de Caravela.
Portugal é isso: uma eterna fantasia!
Uma lenda absurda e passadista onde se movem os reis com um só olho, as bruxas de vassoura em riste, corujas de pio agoirento, duendes malabaristas e gnomos pinóquianos. Também existem os eunucos, aqueles eunucos pérfidos e venais que o Zeca tão bem retratou num jorro de poesia.
Os outros são figurantes, milhões de figurantes, com o comportamento de personagens de banda desenhada, que de quatro em quatro anos se animam num automatismo imagético, ao preencherem o universo das sondagens em opiniões sinceras, e ao colocarem a cruzinha no boletim de voto com um certo brilhozinho nos olhos.
A esses, sempre dispostos a acreditar, eu chamo cidadãos e eleitores.
“Portugal é uma treta!”.
Ouvi isto dizer a um jovem calmamente sentado numa mesa de café, mas com uma convicção tão perturbante que acabou por me impressionar. E confesso que no sopro de emotividade com que a expressão foi sacudida, me decidi a concordar momentaneamente com ele. Por isso escrevo este texto.
Efectivamente Portugal é isto que nós temos, e não é preciso mais qualificações!
A actual realidade de Portugal é um mau adjectivo por inerência com a sua história.
Uma metáfora arcaica e sem evolução. Um país de treta, com responsáveis de treta e com governantes de treta.
Este foi e parece continuar a ser o reino da demagogia, do salve-se quem puder, das clientelas sem escrúpulos, do desmazelo social, das elites bota-de-elástico; o país da cunha, do tráfico de influências, dos tachos, dos tachinho e dos tachões; da fuga aos impostos, da justiça lenta, da má educação, da falta de civismo e dos dez estádios de futebol.
É um país onde impera a corrupção, a mentira, a fobia do défice, a ignorância, a preguiça, o parasitismo, a mediocridade, o facilitismo e agora o Partido Socialista. É um pais à deriva e com muita pouca esperança.
Portugal é um barco sem rumo, mas apesar da tripulação ter substituído o seu timoneiro há cerca de 100 dias, o quadrante marcado pelo astrolábio do Terreiro do Paço não parece afastar-se do dúbio turbilhão das “estrelas” que no passado nunca nos apontou o futuro.
Luis Pereira [04-07-2005]














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