A propósito de Abril, de falsos discursos, de 32 anos de promessas mal cumpridas, do 1º de Maio e de uma amálgama inteira de sentires


Houve um tempo em que as pessoas de esquerda se tratavam por camaradas.
Desde o MRPP, donde provém, por exemplo, Durão Barroso, até ao PCP, onde militou Zita Seabra, que a expressão camarada irrompia da articulação labial como um ósculo de fé.
O termo camarada era uma expressão de compromisso social que juntava numa vontade comum os princípios básicos da Democracia; os princípios básicos que uniam em comunhão geral todos os idealistas e materialistas, sempre incumbidos na defesa dos conceitos gerais de Liberdade, Igualdade, Fraternidade, Justiça Social e Paz.; esses mesmos princípios que mais objectivamente se partilhavam sobretudo à esquerda, num bloco do essencial ideológico (salve-se as problemáticas e vincadas diferenças) que ia do Partido Socialista até à extinta UDP.
Não durou muito esta festa fraternal. Pouco tempo passado sobre a alegria dos cravos, essa filiação “esquerdista” do partido socialista foi metida na gaveta, numa estratégia propagandística que os futuros historiadores se hão-de incumbir de decifrar.
O partido socialista, um partido inicialmente proclamado de esquerda e que desde o início da revolução dos cravos se impôs socialmente com uma maior expressão social e capacidade política para pugnar pelos interesses dos ideais da esquerda, e pelos interesses de um país endemicamente atrasado, subdesenvolvido e terceiro mundista, foi aquele que ao longo destes 32 anos mais se metamorfoseou, até se tornar na “estrutura centrista” que hoje governa o nosso destino. Resultado: o “status quo” que alimentava a parafernália de um país “bota de elástico”- tal como Eça e Ortigão o descreveram nos finais do séc. XIX - manteve-se imutável e por variados interesses anti sociais, e sobretudo pelo adverso comportamento político que traiu a constituição resultante do 25 de Abril de 1974, Portugal transformou-se no que hoje é: um país carcomido de pobreza, desesperado, antinómico, triste, brando, resignado, injusto, atrasado, macrocéfalo e assimétrico.
A essência deste país de hoje é da responsabilidade política de dois partidos, exactamente os mesmos partidos que ao longo de 32 anos de democracia não souberam cumprir os ideais de Abril e jamais conseguiram entender as razões do 1º de Maio.
O país político em que vivemos hoje, depois de 32 anos de espasmos vários, alaranjou-se, rosou-se, e parece-me, a julgar pelas últimas preocupações dos serviços de segurança do estado, que se extrema cada vez mais num azul nacionalista e imbecil.
Nesta dilatação do tempo, a esperança some-se, a insatisfação aumenta, o ódio incendeia-se e os eunucos espreitam nas frinchas, exactamente como no tempo que antecedeu o tempo da “outra senhora”.
Esta demora em concretizar a esperança é já um tempo sem nada, onde os relógios parados escorrem como plasticina sem vida, derramados e pingantes, ao jeito estético de Dalí. Este é o tempo em que todos duvidamos de todos e principalmente dos políticos que ao longo destes 32 anos foram perdendo o respeito e o interesse da população devido à sua reincidência na monótona mentira.
E é neste contexto agachado à beira mar, onde se sussurra a história de heróis marinheiros e anedotas reais do salve-se quem puder, que de vez em quando nos surge um personagem com um carácter ironicamente redentor, um personagem com palco sólido e palavras pausadas que vão sendo vertidas em espiral e a um ritmo pardo de calculados gestos.
No dia 25 de Abril de 2006 Cavaco Silva surpreendeu muita gente com as suas palavras, com o seu discurso de contornos mais sociais e contrário aos sinais dos tempos. Um discurso que parecia imanar de um antigo camarada; um discurso “vermelho” mas sem cravo na lapela; no fundo um discurso cínico, hipócrita e talvez terminal.
O discurso de Cavaco Silva no dia 25 de Abril foi uma verdadeira “pedrada no charco”, mas foi uma daquelas pedradas que respinga apenas alguns “compinchas”, deixando enxutos os verdadeiros amigos que sorriem de longe.
No entanto, este discurso não surpreendeu os genuínos camaradas de um país de gente quase gasta. E isso porque um discurso é apenas um discurso, e um discurso político é apenas mais uma mão cheia de palavras semeadas no tempo dos relógios parados.
O discurso de Cavaco Silva é um discurso tardio, sem tempo, ou com tempo insuficiente para apanhar o tempo perdido. No fundo, o actual Presidente da República depositou na lixeira das palavras vãs mais um chorrilho de falsas vontades; no fundo profanou o âmago de uma data, um símbolo e uma história.
Todos sabemos da impossibilidade e da abstracção das palavras contidas no discurso de Cavaco Silva, da sua quota-parte de responsabilidade política pelo país socialmente injusto e regionalmente assimétrico em que hoje vivemos e que ironicamente, no dia 25 de Abril de 2006, ele mesmo denunciou.
Sabemos todos que nenhuma das suas palavras terá qualquer tradução no real, porque também não temos um governo capaz de imprimir acção aos gestos de boa vontade e de empenhamento transformador. Tudo se há-de protelar em jogos de interesses mesquinhos centrados num litoral sem rosto e cada vez mais neo-liberal.
E os discursos, esses discursos redentores que brotam da cadeira do poder, ficarão apenas durante escassos momentos no ar, em forma de palavras que em alguns segundos mediaticamente planam como coloridas bolas de sabão.
No fundo temos completa consciência de que este, à semelhança de outros do mesmo autor, foi mais um discurso centrado no centro, ao gosto e ao sentir político socrático, e que dissimuladamente brotou de um homem também ele responsável pela situação de injustiça a que o nosso país, supostamente democrático, chegou.
No fundo sabemos por experiência própria, e pela sua praxis, que o Senhor Presidente Cavaco Silva não é e jamais será um verdadeiro “camarada”: um daqueles camaradas que falará e se empenhará pelo país dos desamparados, dos excluídos, dos desequilíbrios sociais e da clivagem entre interior e litoral.
Temos a certeza que Cavaco Silva não é isso e não o poderá ser porque lhe falta aquele genuíno “brilhozinho nos olhos” de que nos fala o poeta.
Hoje, no fim-de-semana a anteceder o 1º de Maio, José Sócrates visita o Nordeste. José Sócrates tem pouco mais de um ano de governação. Fez bem em visitar o Nordeste e em reiterar o pacote de medidas positivas que durante os ciclos de conferências enquadradas no fórum “Novas Fronteiras” esboçou para esta região.
Contudo, refira-se, o Nordeste e os interesses do Nordeste não podem ser desenhados no estirador do Terreiro do Paço.
Não chega anunciar acessibilidades, principalmente hoje, quando sabemos que o melhor acesso tanto atrai como repudia. O importante é fixar as pessoas numa terra de relógios parados, e essa fixação só se consegue, ou conseguirá, com projectos mais consistentes, ou por outras palavras menos metafóricas: essa fixação só se consegue, ou conseguirá, quando o Senhor Primeiro-ministro conceber de igual para igual, e sem contabilidades eleitoralistas, o desenho inteiro do nordeste no seu estirador de decisões.
Talvez assim, e no futuro, os Nordestinos o possam reconhecer! Luis Pereira
Desde o MRPP, donde provém, por exemplo, Durão Barroso, até ao PCP, onde militou Zita Seabra, que a expressão camarada irrompia da articulação labial como um ósculo de fé.
O termo camarada era uma expressão de compromisso social que juntava numa vontade comum os princípios básicos da Democracia; os princípios básicos que uniam em comunhão geral todos os idealistas e materialistas, sempre incumbidos na defesa dos conceitos gerais de Liberdade, Igualdade, Fraternidade, Justiça Social e Paz.; esses mesmos princípios que mais objectivamente se partilhavam sobretudo à esquerda, num bloco do essencial ideológico (salve-se as problemáticas e vincadas diferenças) que ia do Partido Socialista até à extinta UDP.
Não durou muito esta festa fraternal. Pouco tempo passado sobre a alegria dos cravos, essa filiação “esquerdista” do partido socialista foi metida na gaveta, numa estratégia propagandística que os futuros historiadores se hão-de incumbir de decifrar.
O partido socialista, um partido inicialmente proclamado de esquerda e que desde o início da revolução dos cravos se impôs socialmente com uma maior expressão social e capacidade política para pugnar pelos interesses dos ideais da esquerda, e pelos interesses de um país endemicamente atrasado, subdesenvolvido e terceiro mundista, foi aquele que ao longo destes 32 anos mais se metamorfoseou, até se tornar na “estrutura centrista” que hoje governa o nosso destino. Resultado: o “status quo” que alimentava a parafernália de um país “bota de elástico”- tal como Eça e Ortigão o descreveram nos finais do séc. XIX - manteve-se imutável e por variados interesses anti sociais, e sobretudo pelo adverso comportamento político que traiu a constituição resultante do 25 de Abril de 1974, Portugal transformou-se no que hoje é: um país carcomido de pobreza, desesperado, antinómico, triste, brando, resignado, injusto, atrasado, macrocéfalo e assimétrico.
A essência deste país de hoje é da responsabilidade política de dois partidos, exactamente os mesmos partidos que ao longo de 32 anos de democracia não souberam cumprir os ideais de Abril e jamais conseguiram entender as razões do 1º de Maio.
O país político em que vivemos hoje, depois de 32 anos de espasmos vários, alaranjou-se, rosou-se, e parece-me, a julgar pelas últimas preocupações dos serviços de segurança do estado, que se extrema cada vez mais num azul nacionalista e imbecil.
Nesta dilatação do tempo, a esperança some-se, a insatisfação aumenta, o ódio incendeia-se e os eunucos espreitam nas frinchas, exactamente como no tempo que antecedeu o tempo da “outra senhora”.
Esta demora em concretizar a esperança é já um tempo sem nada, onde os relógios parados escorrem como plasticina sem vida, derramados e pingantes, ao jeito estético de Dalí. Este é o tempo em que todos duvidamos de todos e principalmente dos políticos que ao longo destes 32 anos foram perdendo o respeito e o interesse da população devido à sua reincidência na monótona mentira.
E é neste contexto agachado à beira mar, onde se sussurra a história de heróis marinheiros e anedotas reais do salve-se quem puder, que de vez em quando nos surge um personagem com um carácter ironicamente redentor, um personagem com palco sólido e palavras pausadas que vão sendo vertidas em espiral e a um ritmo pardo de calculados gestos.
No dia 25 de Abril de 2006 Cavaco Silva surpreendeu muita gente com as suas palavras, com o seu discurso de contornos mais sociais e contrário aos sinais dos tempos. Um discurso que parecia imanar de um antigo camarada; um discurso “vermelho” mas sem cravo na lapela; no fundo um discurso cínico, hipócrita e talvez terminal.
O discurso de Cavaco Silva no dia 25 de Abril foi uma verdadeira “pedrada no charco”, mas foi uma daquelas pedradas que respinga apenas alguns “compinchas”, deixando enxutos os verdadeiros amigos que sorriem de longe.
No entanto, este discurso não surpreendeu os genuínos camaradas de um país de gente quase gasta. E isso porque um discurso é apenas um discurso, e um discurso político é apenas mais uma mão cheia de palavras semeadas no tempo dos relógios parados.
O discurso de Cavaco Silva é um discurso tardio, sem tempo, ou com tempo insuficiente para apanhar o tempo perdido. No fundo, o actual Presidente da República depositou na lixeira das palavras vãs mais um chorrilho de falsas vontades; no fundo profanou o âmago de uma data, um símbolo e uma história.
Todos sabemos da impossibilidade e da abstracção das palavras contidas no discurso de Cavaco Silva, da sua quota-parte de responsabilidade política pelo país socialmente injusto e regionalmente assimétrico em que hoje vivemos e que ironicamente, no dia 25 de Abril de 2006, ele mesmo denunciou.
Sabemos todos que nenhuma das suas palavras terá qualquer tradução no real, porque também não temos um governo capaz de imprimir acção aos gestos de boa vontade e de empenhamento transformador. Tudo se há-de protelar em jogos de interesses mesquinhos centrados num litoral sem rosto e cada vez mais neo-liberal.
E os discursos, esses discursos redentores que brotam da cadeira do poder, ficarão apenas durante escassos momentos no ar, em forma de palavras que em alguns segundos mediaticamente planam como coloridas bolas de sabão.
No fundo temos completa consciência de que este, à semelhança de outros do mesmo autor, foi mais um discurso centrado no centro, ao gosto e ao sentir político socrático, e que dissimuladamente brotou de um homem também ele responsável pela situação de injustiça a que o nosso país, supostamente democrático, chegou.
No fundo sabemos por experiência própria, e pela sua praxis, que o Senhor Presidente Cavaco Silva não é e jamais será um verdadeiro “camarada”: um daqueles camaradas que falará e se empenhará pelo país dos desamparados, dos excluídos, dos desequilíbrios sociais e da clivagem entre interior e litoral.
Temos a certeza que Cavaco Silva não é isso e não o poderá ser porque lhe falta aquele genuíno “brilhozinho nos olhos” de que nos fala o poeta.
Hoje, no fim-de-semana a anteceder o 1º de Maio, José Sócrates visita o Nordeste. José Sócrates tem pouco mais de um ano de governação. Fez bem em visitar o Nordeste e em reiterar o pacote de medidas positivas que durante os ciclos de conferências enquadradas no fórum “Novas Fronteiras” esboçou para esta região.
Contudo, refira-se, o Nordeste e os interesses do Nordeste não podem ser desenhados no estirador do Terreiro do Paço.
Não chega anunciar acessibilidades, principalmente hoje, quando sabemos que o melhor acesso tanto atrai como repudia. O importante é fixar as pessoas numa terra de relógios parados, e essa fixação só se consegue, ou conseguirá, com projectos mais consistentes, ou por outras palavras menos metafóricas: essa fixação só se consegue, ou conseguirá, quando o Senhor Primeiro-ministro conceber de igual para igual, e sem contabilidades eleitoralistas, o desenho inteiro do nordeste no seu estirador de decisões.
Talvez assim, e no futuro, os Nordestinos o possam reconhecer!














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