| Jornal online - Registo ERC nº 125301



Ainda a Barragem do Sabor
Publicado quinta-feira, junho 22, 2006 | Por: Notícias do Nordeste

São quatro os concelhos que no passado dia 17 de Junho se associaram oficialmente para combaterem em comum os problemas relacionados com a seca e a desertificação do Nordeste Transmontano.

Alfândega Fé, Macedo de Cavaleiros, Torre de Moncorvo e Mogadouro reuniram conjuntamente os seus esforços na Associação dos Municípios do Baixo Sabor (AMBS), com o intuito de no futuro combaterem os problemas mais crónicos da circunscrição territorial que representam.

A primeira manifestação pública da AMBS foi o repto à Plataforma Sabor Livre para um processo negocial e de diálogo a fim de serem encontradas soluções comuns que sirvam as duas Associações. A questão centra-se na construção da Barragem do Baixo Sabor, que a AMBS considera como fundamental para estes quatro concelhos.

As negociações não se prefiguram de grande facilidade, uma vez que a Plataforma Sabor Livre se opõe por absoluto à construção do empreendimento, argumentando que se trata de uma obra com grandes impactos negativos sobre o património ambiental de todo aquele troço do rio Sabor.

Por esse motivo, há cerca de dois anos a Plataforma chegou a apresentar uma queixa na União Europeia com o intuito de obstaculizar a nível das instâncias europeias a barragem aprovada no tempo do anterior Governo do PSD.

Contudo, defendem os autarcas da Associação dos Municípios do Baixo Sabor que desde a altura em que a Plataforma apresentou a denúncia e os dias de hoje, muita coisa mudou. Em apenas dois anos o preço do petróleo subiu exponencialmente e face a esta “crise energética” que o mundo atravessa e de que Portugal é uma das principais vitimas, chegou-se mesmo a colocar a hipótese da construção de uma Central Nuclear no Nordeste Transmontano.

Talvez seja este o principal trunfo dos autarcas da AMSB, colocando a Plataforma Sabor Livre no centro desta questão retórica: que preferem vocês, uma Central Nuclear no rio Douro, ou uma barragem no rio Sabor? A pergunta estará naturalmente articulada com o preceito de que Portugal carece de energia produzida de forma limpa, o que efectivamente não deixa de ser verdade. Mas, e o mais importante de assinalar, é que esta predisposição para o diálogo manifestada pelos autarcas da AMSB parece revelar um corte com o passado e, acima de tudo, uma alteração da estratégia dos políticos para com os ambientalistas, deixando de os considerar como inimigos e empecilhos ao desenvolvimento, - como em tempos idos alguém os considerou -, para os convocar agora a uma conciliação de interesses que, na verdade, parecem inconciliáveis.

O facto de presentemente estes autarcas preferirem as tréguas e o diálogo à confrontação “guerrilheira” de arrazoados técnicos e políticos é, desde logo, uma manifestação de inteligência política que não pode deixar de ser sublinhado. Contudo, surge tardiamente e peca por se configurar como pouco exequível.

Hoje percebe-se que no passado existiu uma fraca estratégia de actuação, porque a “esperteza política” de alguns responsáveis locais e centrais, sem sustentáculo técnico e saber argumentativo, tentou sobrepor-se e mesmo aniquilar o verdadeiro “saber científico”. Evidentemente que essa postura, em muitos casos eivada de um bairrismo regionalista sem préstimo, apenas serviu para ferir o orgulho de todos aqueles que durante anos a fio entregaram e entregam a sua vida ao processo quase altruísta da investigação científica, saldando-se esse desentendimento entre políticos e cientistas num extremar de posições que levou a Plataforma Sabor Livre até Bruxelas. Com este acto, aquele movimento ambientalista apenas pretendeu demonstrar que a legislação internacional sobre o ambiente estava a seu favor, e que o vale do Baixo Sabor no seu estado “selvagem” possui um valor inestimável a nível da região, do país e mesmo da Europa de que fazemos parte.

Por isso, no caso de se vir a optar pela construção da barragem no Baixo Sabor, já sabemos que há algo de grande valor ecológico que se vai perder, porque são os especialistas que o dizem, e como tal, e porque vivemos num país civilizado, é neles que temos de acreditar, e não em accões manipuladoras de algumas intentonas de cariz eminentemente astucioso. Mas num aspecto do discurso de todos aqueles que têm bradado argumentos a favor da construção desta barragem existe completa razão: o problema da água é uma das grandes questões do início deste século e Portugal precisa de se precaver com reservas estratégicas que no futuro possibilitem uma gestão sem sobressaltos dos nossos recursos hídricos.
Este é o único argumento válido no discurso de todos aqueles que defendem a construção da barragem do Baixo Sabor. Todos os outros argumentos não passam de meras especulações que muitas vezes se situam, por exclusivo, na esfera dos interesses políticos e empresariais e nunca no domínio dos interesses regionais e da população nordestina.

Argumentar a construção da Barragem do Baixo Sabor, por exemplo, com a necessidade de Portugal cumprir o compromisso de Kyoto é pura manobra de demagogia, como é ainda mais demagógica a argumentação de que a barragem poderá potenciar o desenvolvimento turístico e económico da região.

Como sabemos, barragens há muitas mas não há um único exemplo em que se sinta de forma objectiva o contributo de uma barragem para o desenvolvimento turístico de uma localidade ou região. O conceito da barragem como pólo de desenvolvimento turístico local, ou como pólo de desenvolvimento económico local, não passa de uma arteirice passadista que surgiu no tempo do antigo regime. Não acharão pois os nossos eleitos, e todos aqueles que candidamente e depois de tantos exemplos continuam a acreditar no mesmo, que é altura de mudar a fita à cassete desse argumento?

Se nos situarmos por exclusivo no domínio da produção de energia, os proveitos para a região são os mesmos. Que contrapartidas concretas existirão para o Nordeste com os kilowatts que vão ser produzidos pelas turbinas da barragem do Baixo Sabor? Pergunte-se às gentes de Picote, da Bemposta ou do Pocinho, por exemplo, que são localidades que possuem três monumentais barragens junto das suas portas. Ou então pergunte-se aos nordestinos quais as contrapartidas positivas a nível do desenvolvimento local (ou até a nível do preço da energia) de que goza a região pelo facto da EDP ter instalado no rio Douro essas barragens. A resposta será concisa e redonda: zero!

Portanto, se há algum justificativo para a construção da barragem do Sabor e, consequentemente, para sacrificar esse raro e valiosíssimo património natural, essa justificação só tem uma argumentação plausível, e essa reside exclusivamente na necessidade de criação de uma grande albufeira capaz de potenciar os recursos agrícolas regionais e de se constituir como uma reserva de água estratégica que no futuro sirva o Nordeste e contribua para ajudar a manter os níveis estáveis do caudal no rio Douro. Este deveria e deverá ser o corpo argumentativo de quem defendia ou defende a construção da barragem do Sabor.

Se a argumentação política tivesse seguido por essa via, talvez a questão pudesse ter sido enquadrada de forma diferente entre os ambientalistas, e tudo o resto, produção de energia e “desenvolvimento turístico” com que alguns políticos, e não só, “enchem” a boca, surgiria naturalmente e por acréscimo.

Mas não foi isso que aconteceu. Em vez de se negociar, como agora se pretende, e de inteligentemente ter sido criada uma plataforma de entendimento, alguns políticos desta “praça quase deserta” preferiram bradar argumentos, fazer acusações falaciosas, provocar um ruído de tóxicos erros, pondo em causa, de forma quase grosseira, algumas das realidades ambientais do Rio Sabor. E o pior de tudo: tentaram desacreditar algumas das associações mais credíveis e credenciadas a nível do ambiente em Portugal. Por isso perderam. O estado português perdeu e a ser construída a barragem esta sairá inteirinha do bolso dos contribuintes deste país depauperado.

Construa-se ou não a barragem, a pergunta que cabe fazer é a seguinte: Quem foi que ganhou com essa "guerra"? Certamente que os portugueses nada ganharam, e muito menos os Nordestinos.

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